Uma reflexão sobre o “tempo de
espera”
A
reflexão tem como ponto de partida a leitura do livro Tempo
de Espera – como vivem as crianças, o casal e os trabalhadores sociais à espera
da adoção, de Antonio D’Andrea.O
autor nos leva a um caminhar reflexivo tendo como interlocutora a pequena
Martina, de apenas 6 anos de idade. Inquieta e cheia de vida, Martina nos
remete a lugares antes visitados sem muita atenção... e nos mostra toda a
ansiedade, alegria e temor que eles podem nos causar. Martina
foi separada de sua família de origem e vive um período onde perdeu a condição
de filha. Perder a condição de filha... essa é uma reflexão pela qual muitos de
nós, talvez, ainda não tenha tido a oportunidade de passar... parece que a
condição de filho ou filha é perene: nascemos filhos e teremos sempre essa
condição, mesmo que os nossos pais tenham falecido. Triste constatar que as
crianças que se encontram em instituições de acolhimento vivem um momento de
suspensão dessa condição: estão privados temporariamente (ou definitivamente!)
de serem filhos.O
diálogo de Martina se desenvolve com o Construtor de Pontes. Ele é o
responsável por auxiliar a menina nesse “tempo de espera”; a construir com a
criança um novo vínculo, levando-a a vislumbrar a possibilidade de novamente
acreditar nos “grandes”.“Os
diálogos entre Martina e o “Construtor de Pontes” levam o leitor a sentir
quanto o dar e receber amor é o alimento essencial para uma relação autêntica
entre pais e filhos.”Nas
idas e vindas desse caminhar o aprendizado é recíproco: de Martina e do
Construtor de Pontes. Este experimenta refletir na perspectiva da pequena
menina, que demonstra sua fragilidade e temor diante da situação vivida – perda
da condição de filha – e da que está por vir – inclusão em uma nova família.
Aquela começa a se abrir para criar vínculo com uma “espécie” que lhe trouxe
sofrimento profundo: o adulto.Para
diminuir sua ansiedade e medo, Martina decide escrever uma carta para seus
futuros pais compartilhando com eles os seus sentimentos, a sua história, a
suas decepções, a sua dor e, também, os seus sonhos. E confidencia ao novo
amigo: “(...)da primeira vez, ninguém me
perguntou se eu queria ir lá onde eu nasci; e também desta vez ninguém me
pergunta nada. Por quê?”Provavelmente
a menina não tenha se dado conta de que de modo pouco consciente, “pedia
aos seus novos pais para adotar, junto com ela, também as suas lembranças e a
sua dor”. “Uma
ponte não se pode construir senão partindo contemporaneamente de dois pontos de
apoio, que se soldam no ponto de encontro. É a fascinante tarefa dos pais fazer
a criança sentir que este “ponto de encontro” é a própria história que
começarão juntos, que vai soldar as histórias vividas antes: por eles mesmos e
pela criança. Os pais adotivos colhem “o testemunho” dos pais naturais, para
fazer com que o projeto de vida da criança continue.”O
Construtor de Pontes se dá conta do quão importante é dar voz à criança que
vive esse tempo de espera: conhecer suas expectativas em relação à adoção, aos
novos pais, à aceitação destes no que tange à sua história de vida, às suas
lembranças, temores, ansiedades. “Mas para aprender a escutar uma
criança é necessário despojar-se da arrogância de compreender as necessidades
da criança sem conhecê-la.”O
Construtor de Pontes percebe como os adultos frequentemente repetem o
comportamento do “sabe-tudo”, construindo respostas prontas para situações,
procurando convencer a criança do que, em muitas vezes, nem ele acredita. “Sabe,
falando com você, escutando-a, percebo que é verdade: frequentemente nós,
adultos, somos mesmo estranhos. Construímos respostas para dar a vocês,
crianças, mas nem sempre essas respostas servem para fazer compreender. São
explicações, justificativas, para nos convencer de que aquilo que fizemos ou
dissemos é justo.”A
partir de então a perspectiva do encontro entre uma criança e um casal em tempo
de espera muda completamente. Ambos vivem um período de suspensão de suas
condições: a criança, uma condição que lhe foi dada e que lhe foi tirada: a de
filha; o casal, uma condição sonhada que lhe foi cerceada: a de gerar um filho
biológico.A
certa altura Martina relata a visita de atores sociais à sua residência. “Uma
manhã veio a nossa casa uma senhorinha que falava com voz altíssima, como se
fôssemos todos surdos. Trazia uma pasta debaixo do braço; de vez em quando a
abria e escrevia alguma coisa nas folhas; e depois olhava tudo à sua volta.
Fazia um monte de perguntas. Procurava ser carinhosa comigo, mas eu não
entendia nada: era um terremoto! (...) Depois não lembro bem. Fizeram-nos falar
com outras pessoas que não nos conheciam. Alguém tomou todas as decisões”Relato
muito familiar para todos os que trabalham em órgãos de proteção a crianças e
adolescentes. É legítimo que mantenhamos um certo distanciamento dos inúmeros
casos que trabalhamos diariamente... o que não é correto é formarmos uma
couraça que nos torna insensíveis à dor dos sujeitos em questão e, ainda, nos
colocar em uma posição quase inatingível de saber em relação a eles.Ser
construtor de pontes nesse processo entre a criança e o(s) adotante(s) é o que
nos faz sair da esfera de atores sociais como a “senhorinha” descrita por
Martina para sermos, também, sujeitos dessa relação em construção; contribuindo
na construção dessa ponte de forma cuidadosa. Assim, a criança poderá entender
que os novos pais “reacenderão as suas esperanças, ajudarão você a confiar mais
nos outros, a ter menos medo; farão você entender que poderá contar com eles
nos momentos difíceis; também deixarão você tentar fazer as coisas sozinha.
Você irá errar, sem que se intrometam sempre ou que façam em teu lugar por medo
de que você não saiba fazer sozinha...”Nesse
processo de construção de pontes entre a criança e a nova família haverá, também,
momentos de recolhimento, de desolação... momentos necessários para sedimentar
essa nova relação, para digerir sofrimentos, expectativas e para acolher o
outro com a sua história. Isso faz parte de qualquer história que envolva
pessoas, especialmente a familiar.http://www.portaldaadocao.com.br/artigos/a-palavra-do-especialista/28-uma-reflex%C3%A3o-sobre-o-%E2%80%9Ctempo-de-espera%E2%80%9D.
Quero adotar uma criança de 3 ano
ResponderExcluir